
Um dos livros mais legais que eu li nesse ano.
Apesar de enorme a leitura flui pra caramba. Não dá pra se deixar assustar pelo tamanho até porque a gente não tem medo de livro grande.
Cheguei a Padre Cícero por causa de uma matéria que saiu há anos na Revista O Globo sobre o fenômeno que era o Padim Ciço, de como este que podia ser o primeiro santo brasileiro foi perseguido pela Igreja, destituído das ordens sacerdotais, excomungado, e de como décadas após sua morte ainda atraía romeiros até Juazeiro do Norte.
Isso sem falar de uma série de relatos milagreiros de gente que voltou a andar, a enxergar, que estava pra morrer e voltou a se curar. Aguardei ansioso pelo lançamento dessa biografia. Tinha boas referências do Lira Neto. Comprei o livro há uns dois ou três anos e daí só fui ler agora dias antes da visita do papa.
Vê-lo ali na pilha estava me deixando louco e quero comprar novos livros, mas tem muitos pra ler… então adotamos a estratégia de aproveitar primeiro aquilo que a gente já tem pra frear o anseio consumista.
Como não poderia deixar de ser, conta a história do padre Cícero Romão Batista, de seu nascimento até sua morte, aos 90 anos. Vai ver por isso também tem tantas páginas. O livro é cheio de fatos interessantes e curiosos e aborda bem como era a vida no sertão do Ceará, em Fortaleza e em uma parte do Brasil no final de 1800 e no início de 1900. Personagens como Antonio Conselheiro e Lampião aparecem em momentos diferentes da história.
O que eu mais gostei é que Lira Neto constrói a narrativa como um romance e se apoia nas correspondências históricas para isso. Ele vai contrapondo as atitudes de Cícero com a perseguição de dom Joaquim, o bispo do Ceará, seu principal rival dentro da Igreja. E tudo isso por conta de um suposto milagre que ocorria em Juazeiro, quando a beata Maria de Araújo ao comungar transformava hóstias em sangue.
A história toda se divide em duas partes: a religiosa e a política. A primeira trata desse lance do milagre, como esses episódios foram atraindo milhares de romeiros. Que os paninhos usados para limpar a boca de Maria de Araújo ficavam manchados de sangue e foram ganhando status de milagreiros e fala sobre os inquéritos da Igreja sobre o caso, sobre a reação da Inquisição, sobre a visita de Cícero a Roma e a perseguição sofrida pelo padre.
A segunda parte gira em torno do crescimento de Juazeiro, da influência de Cícero nisso e em sua entrada na vida política. Daí todo o cenário da época também é bem retratado, sobre o funcionamento da política na época, das oligarquias, do coronelismo, dos primeiros anos da República. De como no sertão muita tomada de poder se fazia na bala e das vezes em que jagunços e cangaceiros tiveram que enfrentar com a mão armada as forças policiais da época.
Enfim, é um livro envolvente e curioso pra quem é ou não é, como eu, ligado nesses baratos de religião. A história é tão legal que dá vontade de ir atrás de outras histórias de santos católicos que foram condenados e depois reabilitados pela Igreja, como Joana d’Arc. E eu pelo menos fiquei com bastante vontade de visitar o Juazeiro qualquer dia desses.
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