
Sim, estamos todos sumidos desta mesa de bar virtual, bem como das mesas de bares reais.
Eu estou lendo estes dias “Máquina de Fazer Espanhóis”, que Raíra e eu compramos juntos na festa do livro da USP no ano passado.
Nunca tinha lido nado do Valter Hugo Mãe, e daí que senti um ímpeto de lê-lo. Ouvi dizer que ele pensa em cada palavra para escrever e eu também ando meio em busca de inspirações.
De fato, há muitas passagens poeticamente belas sem serem necessariamente líricas no livro e estou gostando embora não esteja me sentindo arrebatado.
Na curiosidade estou para ler um dia o “Homens Imprudentemente Poéticos”, que se passa no Japão e não tem a palavra “não”.
Mas daí que ontem eu estava lendo o máquina e me deparei com um trecho que queria compartilhar. Senti que não sei, talvez tenha um pouco a ver com os nossos dias.
Segue aí:
“estamos para aqui todos fascistas, com pensamentos de um fascismo indelével a achar que antigamente é que era bom. este é o fascismo remanescente que vem das saudades. sabe, acharmos que salazar é que arranjaria isto, que ele é que punha esta juventude toda na ordem, é natural, porque temos medo destes novos tempos, não são os nossos tempos, e precisamos nos defendermos. quando dizemos que antigamente é que era bom estamos só a ter saudades, queremos na verdade dizer que antigamente erámos novos, reconhecíamos o mundo como nosso e não tínhamos dores de costas nem reumatismo. é uma saudade de nós próprios, e não exactamente do regime e menos ainda de salazar. eu escutava o meu colega silva e não sabia o que pensar. num momento dizia que éramos comunistas, no outro já éramos fascistas. e eu perguntava, isso faz de nós bons homens. ele regozijava, claro que somos bons homens, ó senhor silva, não somos por natureza inquinado de política nenhuma, temos de tudo um pouco mas, sobretudo, temos saudades, porque somos velhos e quando novos a robutez e a esperança curavam-nos de muita coisa. o fascismo dos bons homens. como diz, perguntou o senhor pereira. o fascismo dos bons homens. é o que para aí abunda. Já quase não faz mal a ninguém e não é para prejudicar. mas é um sentimento que fica escondido, à boca fechada, porque sabemos que talvez não devesse existir, mas existe porque o passado, neste sentido, é mais forte do que nós. quem fomos há de sempre estar contido em quem somos, por mais que mudemos ou aprendamos coisas novas.”
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